Nos dois últimos anos, São Paulo registrou 142 boletins de ocorrências de injúria racial dentro de instituições de ensino; denúncias contra LGBT chega a 725, segundo organização
Martin Luther King e Nelson Mandela foram líderes políticos, que lutaram contra a segregação racial em sociedades violentas - Arte: José Reis Filho
Luchelle Furtado
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar”. Nelson Mandela.
Em 2016 e 2017, foram registrados 142 boletins de ocorrências de injúria racial ocorridos dentro de instituições de ensino do estado de São Paulo. Este número representa uma média de um caso a cada cinco dias, segundo dados da Secretaria Estadual da Segurança Pública de São Paulo, obtidos pela GloboNews por meio da Lei de Acesso à Informação.
Já no primeiro semestre de 2017, a organização não governamental Human Rights divulgou um relatório que destaca que a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos recebeu 725 denúncias de violência e discriminação contra lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros.
Para a socióloga Cristiane Gandolfi, o preconceito ainda é presente no Brasil porque há uma negação do diferente e falta direitos básicos para alguns cidadãos. “O preconceito é uma estrutura social que foi se constituindo e passando de geração para geração. Nós não temos um país com cidadania enraizada, com direito a educação, moradia e saúde. Esses três direitos são básicos para a vida, e eles são dados para poucos”.
Negro e homosexual, o estudante da Universidade Federal do ABC, Raimundo Neres, 35, afirma que o preconceito no dia a dia é velado e que falta apoio de outras pessoas como por exemplo professores e instituição de ensino. “A gente tem projetos de inclusão, promovemos palestras, e as pessoas não querem dar a cara a tapa. O preconceito vai além daqueles que xingam, mas das próprias pessoas que não querem estar vinculadas a esses temas”.
Caso recente
No dia 21 de março, um caso de racismo e homofobia chamou atenção no ABC. O ato aconteceu na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (FDSBC), onde um banheiro feminino foi pichado com frases racistas contra lésbicas. Na porta do banheiro foram escritas as sentenças: “fora sapatão”, “fora preta sapatão”, “odeio preto” e “#fimdascotas”, em referência às cotas para estudantes negros na faculdade, que atualmente é de 12,5%.
Em nota, a direção da Direito São Bernardo repudiou o episódio, informou que vai investigar o caso e que irá organizar uma série de debates sobre o tema. Mas, para coordenador de eventos do Centro Acadêmico, Vinicius Marques, 20, a sindicância é necessária não só para apurar os fatos, mas também para estimular a discussão. “O grande ponto não é encontrar o culpado, e sim trazer o debate à tona para que possa ser construído todo um diálogo sobre isso e para que aja a conscientização. Punindo o agressor, ele vai sair daqui, se formar e continuar sendo racista. Dessa forma vamos ter mais uma pessoa preconceituosa no meio jurídico”.
Marques acredita que o motivo da ação racista ainda estar presente nas universidades se dá pela elitização do ensino superior, decorrente do alto custo da mensalidade. “Esse aumento [mensalidade] afasta as pessoas de classes mais baixas, com renda menor em relação as demais. Então, essa mescla de dois mundos acaba trazendo um pouco de intolerância”.
Já para o Coordenador de palestras do Centro Acadêmico, Bruno Gradella, 30, o preconceito vai além da elitização: “Nós somos um país historicamente excludente. Metade dos negros trazidos escravizados para as Américas vieram para o Brasil. Abolimos a escravidão muito tarde, de modo que, somado tudo isso ao fato de não ter sido feito uma política de integração no passado. O que temos hoje é o reflexo de pessoas que ainda têm uma mentalidade violenta”.
No último dia 4, uma Audiência Pública foi realizada na FDSBC para falar sobre o andamento do processo e ouvir a opinião dos alunos referente ao caso. Mas, o que chamou a atenção foi a pouca quantidade de pessoas no auditório, como ressalta a estudante Giovanna Uchoa, 18. “Todos deviam estar interessados, para saber do andamento, tirar dúvidas e se manifestarem. É triste, porque a gente percebe a falta de interesse em relação aos temas [racismo e homofobia] que só se perpetuam ao invés de se erradicarem.”
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