Victoria Hurth, especialista em Negócios Sustentáveis na University of Plymouth, na Inglaterra, fala sobre a retomada dos conceitos de economia ecológica na estratégia das companhias que buscam aliar objetivos ambientais e sociais a seus produtos
Victoria Hurth, especialista em negócios sustentáveis na University of Plymouth - Foto: Divulgação
Por Alexandra Gonsalez, Marília Carrera, Luchelle Furtado, da COP24, de Katowice
Na primeira semana da COP24, na cidade polonesa de Katowice, um dos painéis que mais chamaram a atenção foi sobre economia ecológica, conduzido por pesquisadores da Europa e dos Estados Unidos. O termo foi introduzido nos anos 1970 pelo romeno-americano Nicholas Georgescu-Roegen, o primeiro economista a dizer que a economia não poderia ser vista como um sistema isolado e deveria absorver conceitos da física no seu estudo. Roegen propôs incorporar nas relações econômicas a Lei da Entropia, ou segunda lei da termodinâmica, cuja essência é a degradação da energia em sistemas isolados.
“Naquela época, com aparente abundância de recursos e zero preocupação com a preservação ambiental e social, suas teorias foram vistas com escárnio e ele foi relegado ao esquecimento”, explica a economista britânica Victoria Hurth, professora de Negócios Sustentáveis da University of Plymouth, na Inglaterra. Atualmente, as ideias de Roegen voltaram a ser lidas, inspirando pessoas como Victoria, que é membro do comitê de desenvolvimento do British Standard in Sustainable Communities e pesquisadora de consumo sustentável através do marketing social.
O trabalho da especialista é voltado para a gestão de negócios, governança, propósito e significado, pesquisa de identidade e comportamento do consumidor, particularmente em um contexto de sustentabilidade. Ela acredita que as empresas são centrais para reorganizar como transformamos recursos escassos em bem-estar sustentável para todos. “Vejo o marketing com um papel de destaque nesse processo”, diz.
Na opinião de Victoria, o marketing tem importância fundamental não apenas para as vendas, mas para consolidar a imagem da economia ecológica. “O marketing auxilia as organizações a reconhecerem seu papel no mundo dos negócios e a mudar a forma de atuar, trabalhando com valores e uma comunicação eficiente”, afirma. Para a economista, essa ferramenta mostra às empresas quem são seus clientes e como entendê-los, o que a companhia está oferecendo e quais são os seus propósitos.
Discutir negócios sustentáveis em eventos de grande porte como a COP24 ajuda a refletir sobre como resolver as questões de mudanças climáticas, algo que está conectado à crise de sustentabilidade. Apesar de muitas conquistas, Victoria lamenta que a economia ecológica siga como um tema coadjuvante nos encontros internacionais que discutem aquecimento global. “No sistema vigente, em um mundo altamente comercial, a engenharia da maior parte dos negócios ainda é feita da maneira não sustentável.”
O lado positivo, ressalta Victoria, é que falar sobre economia ecológica nas COPs significa chamar a atenção do mundo para as alternativas. “Mostramos que há possibilidades eficientes, lucrativas e menos agressivas para as pessoas e o meio ambiente.” Ela completa dizendo que durante esses encontros, “temos a oportunidade de nos questionar sobre qual caminho tomar, quais escolhas fazer e como colocá-las em prática”.
Durante a entrevista, Victoria Hurth deixou uma mensagem para o Brasil: “Vocês são líderes na América Latina. Contratem bons gestores para suas empresas e pressionem o governo para investir nas organizações que querem fazer uma economia ecológica de verdade.”
Confira:
Como a senhora define uma economia sustentável? Fundamentalmente, uma economia sustentável é baseada no bem estar das pessoas. Muitos economistas defendem que essa definição tem base em negócios de longo prazo, o que também se equipara aos conceitos da economia ecológica, porque suas diretrizes estão alinhadas com uma sociedade sustentável, preocupada com o meio ambiente, as questões sociais e os mecanismos que sustentam essa cadeia. Logo, sustentabilidade na economia diz respeito a nossas perspectivas de sistema para consumir recursos escassos e preciosos de forma democrática. Negócios sustentáveis são a maneira de transformar e replanejar a forma de produzir e consumir, criando bem estar a longo prazo. E isso precisa ser feito para todos, não apenas para alguns setores da sociedade, é algo que obrigatoriamente envolve igualdade e justiça nos aspectos sociais.
Além de Roegen, outra inspiração para definir os modelos de negócios sustentáveis são baseadas nas pesquisas do economista americano Herman Daly, considerado um dos pais da economia ecológica. Suas teorias têm sido colocadas em prática? Sem dúvida. Herman Daly foi discípulo do professor Nicholas Georgescu-Roegen e nos anos 1980, trabalhou na área de meio ambiente do Banco Mundial. Ficou alguns anos nessa instituição e depois fez carreira acadêmica. Daly teve mais sorte e reconhecimento que seu mestre. Formulou o “Triângulo de Daly”, que relaciona a riqueza natural ao derradeiro propósito humano por meio da tecnologia, economia, política e ética, fornecendo uma estrutura de integração simples. Daly mostra que nosso modelo vigente inclui negócios em um sistema econômico trancado nesse foco estreito de produção e consumo com o qual estamos lidando há décadas. Nós tentamos ganhar dinheiro, então arrumamos empregos para ganhar mais dinheiro, e assim vai, em um ciclo bastante limitado e com recursos cada vez mais restritos. O que devemos fazer é voltar atrás e lembrar que os recursos são finitos, criando novas maneiras de produção e consumo.
Em que estágio o mundo está em relação aos negócios sustentáveis? Nós ainda estamos longe de onde deveríamos estar, porém muito além do que já estivemos no passado. Alguns negócios estão realmente começando a incitar mudanças, a fazer as perguntas certas para enfrentar esse processo. Dando os primeiros passos para desafiar os limites do que é possível fazer e ser. Temos algumas empresas já atuando, especialmente nos Estados Unidos e Europa, mas são iniciativas tímidas diante do todo. De qualquer forma, esse primeiro movimento é o princípio necessário para começar a mudar a mentalidade dos setores. Os grandes da indústria mundial já estão de olho nessa dinâmica. Diversas empresas em segmentos variados se perguntam como é possível ter propósito nos negócios sem perder a lucratividade, operando de maneira mais sustentável. As companhias já se deram conta de que “alguma coisa não está mais funcionando. Estamos perdendo clientes, as pessoas não confiam mais em nós”. De fato, cada vez mais os consumidores vêm se conscientizando e percebem quando há greenwashing. Há reclamação e boicote, algo impensável há 20 anos. Entretanto, entre notar um fato e agir para que essa realidade mude, há um longo caminho. Acredito que será apenas em 10 anos que os negócios convencionais se transformarão, em larga escala, de fato em sustentáveis.
Quais são as vantagens de um negócio sustentável? Pode citar iniciativas interessantes que deram certo? Acredito que não é sustentável não ser sustentável! É preciso criar negócios lucrativos, sim, mas que tenham propósito. Que beneficiem as pessoas e o meio ambiente, desconectados da lucratividade máxima. É preciso trabalhar em uma cadeia sustentável e lucrativa para a economia ecológica e devemos nos mover rapidamente para promover essa transformação. Algumas empresas ainda estão entendendo como mudar. Outras já nasceram com uma vocação sustentável, como os sorvetes Ben & Jerry’s e a fabricante de roupas esportivas Patagonia, por exemplo. Ambas já aplicam a sustentabilidade e a responsabilidade social em toda a cadeia produtiva de seus respectivos negócios, que seguem saudáveis e lucrativos.
Qual é o ponto mais frágil desse modelo de negócios? Alinhar toda a cadeia produtiva continua sendo um desafio. Contudo, o ponto de virada para a economia ecológica pode vir justamente daí. A Patagonia, por exemplo, estampa em sua imagem o propósito da empresa, demonstrando que eles se importam tanto com a qualidade do produto, quanto com o consumidor, os fornecedores e os colaboradores. E quem quiser fazer parte dessa cadeia precisa estar alinhado com os valores da companhia. Quem não se alinha, está fora. A fragilidade dos negócios sustentáveis pode terminar nesse ponto. Quando os grandes players mundiais exigirem um grau de comprometimento tão grande quanto a Patagonia exige em toda a sua cadeia produtiva, não haverá mais volta e a economia ecológica se consolidará.
Há exemplos de sucesso entre as maiores companhias, em que há um elevado grau de complexidade nas operações? Empresas grandes e multinacionais têm um impacto massivo no consumo mundial. Para elas, achar um apelo sustentável é muito complicado porque, de várias maneiras, estão engessadas no modelo tradicional de operar. Um bom exemplo, que demonstra ser possível aplicar esses conceitos nas gigantes, é a Marks & Spencer, rede britânica de lojas de departamento. Em 2007, eles implantaram o programa “Plano A”, que esboçava 100 compromissos de sustentabilidade, tanto para poupar os recursos naturais, como para alcançar melhorias de desempenho em todas as operações na cadeia de abastecimento — lojas, escritórios, armazéns, fábricas, fazendas e fontes de matérias-primas. O “Plano A” levou a um aumento das vendas e melhorou a imagem do negócio. Tem sido uma longa jornada, nem tudo deu certo, mas eles conseguiram convencer outros players a implementar um modelo de negócios interessante.
Qual é a perspectiva para os negócios sustentáveis no futuro? Há algum setor mais promissor? Olhando para as organizações que realmente começaram a fazer a diferença, vejo negócios de segmentos bem variados, o que é bastante positivo, pois mostra que qualquer área pode aplicar os conceitos de negócios sustentáveis. De fato, o êxito tem mais a ver com a identidade da empresa do que com o segmento de atuação. Muitas companhias de diferentes vocações desenvolveram uma identidade sustentável e trabalham para mantê-la. É uma característica intimamente ligada aos fundadores: quem são eles, o que pensam e no que acreditam, compondo a base da cultura empresarial. Em minha opinião, a transformação vem através dessa identidade corporativa, que perpassa pelos produtos ou serviços oferecidos. E conforme mais companhias vão se transformando, a concorrência começa a se mexer também. Caso contrário, corre-se o risco de voltar à idade das trevas no modo de se fazer negócios. Acredito que haverá um momento em que as empresas fora dessa cadeia de valores sustentáveis não terão mais clientes, tendo de se adaptar na marra ou fechar as portas.
Como o Brasil pode incentivar a criação de negócios sustentáveis? Tudo começa com o propósito de ter um negócio humanizado, que é a essência da economia ecológica. Porém, em países em desenvolvimento, é difícil manter propósitos desse âmbito a longo prazo devido a diversas instabilidades políticas e econômicas. Num cenário de desequilíbrio, é complicado atrair investidores para viabilizar empreendimentos sustentáveis. Até nos países desenvolvidos é difícil, imagine em uma nação instável. Entretanto, se o empresário construir as bases do negócio com um propósito sustentável, em um nível que instigue o desejo das pessoas a trabalhar em sua companhia e comprar seus produtos, fica mais fácil obter financiamentos. Nem sempre um negócio começa com todos os propósitos definidos. Mas alguns questionamentos são básicos e de simples implementação: como economizar energia, deixar a cadeia de fornecedores mais sustentável e engajar todos os stakeholders nessas iniciativas?
Por onde o empresário pode começar a inserir sustentabilidade nas operações? O foco nos propósitos é um bom começo. Assegure-se de que a organização está indo no caminho desejado e prepare-se para mostrar uma prestação de contas impecável para os stakeholders. É preciso detalhar o que estava planejado e foi feito, além de indicar com segurança os próximos passos. Os públicos estratégicos da companhia devem estar sempre por dentro de todos os processos. Para isso, as empresas precisam de ótimos administradores, que sejam hábeis para fazer investimentos, negociações e correr riscos.
Você acredita que as declarações do presidente eleito, Jair Bolsonaro, podem significar um retrocesso na economia ecológica no Brasil? Infelizmente sim. Chegamos em um momento de desenvolver novos paradigmas na maneira de criar e gerenciar empresas. Bolsonaro, no Brasil, e Donald Trump, nos Estados Unidos, buscam uma maneira de validar o antigo jeito de fazer negócios, de modo que aquilo pareça “real” novamente. Isso os empodera, quando de fato esse modelo está morrendo e vai se arrastando rumo ao fim. Por outro lado, eles sabem que há uma nova agenda de demandas e propósitos das empresas e da sociedade. Agem assim porque não conseguem lidar com as mudanças e por isso radicalizam em suas opiniões e decisões. Entendo o perigo que é retroceder tanto, mas acredito que existem organizações e pessoas cientes e incomodadas com esse comportamento extremo. Gente que não se identifica mais com o discurso radical e passa a questionar essa linha de pensamento. Essas pessoas vão buscar novos meios de atuar, na vida e nos negócios.
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